1. Introdução    

Este estudo aborda a interface de dois campos de estudo, Recursos Humanos e Responsabilidade Social Ambiental (RSA), onde o homem se situa como agente de transformação. A interface percebida advém dos novos conceitos e paradigmas, que formam uma faixa ainda pouco explorada pelas organizações, mas de grande relevância para a sociedade, ameaçada pelo advento da mudança climática.  

A área de Recursos Humanos (RH) é estratégica não apenas porque empreende seu planejamento com base no planejamento estratégico corporativo, mas porque prepara o capital humano para atuar com visão estratégica, potencializando a inteligência, a competitividade e a longevidade do negócio. A dimensão estratégica de Recursos Humanos advém de um entendimento ampliado de sua missão, de preparar e cuidar das pessoas, não apenas visando resultados satisfatórios no curto prazo, mas no longo prazo, por entender a organização como um patrimônio que gera riqueza, segurança e bem estar para a sociedade, a ser preservado para as futuras gerações. Assim, com base nesse raciocínio, Recursos Humanos é um grande aliado da organização e seus custos se justificam como investimentos. 

As funções clássicas de RH fornecem elementos para analisar o cenário de gestão de pessoas, especificamente a realidade brasileira de empresas privadas:

• Recrutamento, seleção, educação e desempenho, funções relacionadas à captação e desenvolvimento de pessoas, são essenciais para prover as empresas dos profissionais desejados, adequá-los aos processos e prepará-los para os desafios de trabalho. Nenhuma organização que deseja sobreviver e prosperar no seu mercado pode prescindir de pessoas sem as competências requeridas, por isso essas funções são as mais comumente praticadas.  

• Cargos, remuneração, carreira e benefícios, dentre os quais a saúde, são funções relacionadas à atratividade e à retenção, porque dizem respeito ao bem estar, à segurança e ao horizonte de crescimento dos empregados. Dada a sua importância e os reflexos observados na produtividade e na motivação, essas práticas são correntes em organizações de cultura avançada. Mas ainda há muitas empresas onde essas funções são negligenciadas, em decorrência dos custos envolvidos e da falta de compromisso dos empregadores com a qualidade de vida dos empregados.  A área da Responsabilidade Social (RS), interessada no desenvolvimento de um mercado empresarial ético e justo, percebe essa negligência como uma deformação do modelo social, que acentua a desigualdade e gera exclusão.

Tanto a política interna de pessoal como a relação com a comunidade são estratégicas para a prática da Responsabilidade Social que é definida pela relação ética que a empresa estabelece com todos os seus públicos (stakeholders), a começar pelo público interno. Assim, uma empresa socialmente responsável não se limita a cumprir o estabelecido como obrigação legal, empenha-se em produzir dignidade e qualidade de vida para todos. 

A premência de ações que freiem o avanço da insustentabilidade, caracterizada pelo aumento não apenas da desigualdade social, mas da degradação ambiental, leva a RS a incorporar o desafio de reparação e preservação do meio ambiente. Gradualmente a Responsabilidade Social e Ambiental, vem ganhando espaço no mundo, apesar da grande defasagem observada entre o bloco de países desenvolvidos, de países em desenvolvimento e os subdesenvolvidos, esses dois últimos ainda com elevado nível de resistência à mudança ou envolvidos com o equacionamento de graves demandas de sobrevivência. 

A faixa ainda pouco explorada pelas organizações refere-se à interseção de Recursos Humanos e Responsabilidade Socioambiental, onde a nova cultura é desenvolvida e exercitada. O presente trabalho explora esses campos de estudo, com o interesse é investigar a ideologia e a prática de RSA, para observar se é coerente atribuir a Recursos Humanos a competência de RSA. 

2. Percepções acerca da Responsabilidade Social

Apesar de parecer um assunto novo no cenário empresarial, a Responsabilidade Social (RS) vem sendo praticada há vários anos em países desenvolvidos, nos Estados Unidos, no Canadá e em diversos países europeus. No Brasil, a responsabilidade social ganhou impulso com o advento das Organizações não governamentais (ONGs), o fortalecimento dos sindicatos e a campanha pela divulgação do Balanço Social, apoiada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Na década de 1980, a sociedade experimentou períodos produtivos com a participação da sociedade em movimentos de mudança, tais como as greves do ABC paulista, a redemocratização, as diretas já, a nova constituinte, as conquistas da mulher e as lutas raciais.  Em sintonia com os movimentos globais em favor do meio ambiente, no Brasil dos anos 70, foram criados os órgãos de controle ambiental3

Em função da deficiência do Estado (primeiro setor) em atender todas as necessidades sociais, historicamente de sua competência (educação, saúde, habitação, saneamento básico, transporte, etc.), por força das mudanças no comportamento e por pressão da sociedade, as empresas privadas (segundo setor), cujo interesse primordial é o lucro, foram ampliando sua atuação no campo social. Em geral, as empresas buscam associar sua imagem à Responsabilidade Social, porque os benefícios proporcionados à sociedade geram retorno, traduzido em novos clientes e novas oportunidades. A percepção do retorno das ações de responsabilidade social e ambiental nos negócios passou a estimular os investimentos em Marketing e novas adesões. As organizações do terceiro setor (formalmente constituídas, de estrutura não governamental, com gestão própria e sem fins lucrativos) ocupam os espaços criados entre o Estado e as empresas privadas, na prestação de serviços à sociedade, cuja eficiência não gira em torno de indicadores econômicos, mas de indicadores socioambientais. 

Essa nova arquitetura social implica em transformações necessárias no relacionamento entre Estado e sociedade. Da evolução da consciência responsável derivou o conceito do triple bottom line, termo introduzido em 1994, por John Elkington, que traduzia uma nova leitura aos resultados corporativos, propondo que a perspectiva econômica não fosse o único ângulo de observação, mas também a perspectiva social e ambiental. É um tripé conceitual que evoca uma mudança de paradigma e orienta a gestão, passando a ser referência para as empresas comprometidas com o desenvolvimento sustentável. A opinião de Patrícia Ashley sobre RS reflete essa concepção:

Responsabilidade social corporativa não pode ser reduzida a uma dimensão ‘social’ da empresa, mas interpretada por meio de uma visão integrada de dimensões econômicas, ambientais e sociais que, reciprocamente, se relacionam e se definem. (ASHLEY, 2002, apud NETO e RIBAS, 2008, p.31)

Responsabilidade Social é percebida e conceituada de diferentes maneiras por diferentes autores e empreendedores
sociais: com a conotação de filantropia4, com foco no bem estar social dos empregados, através da política de benefícios, associada à ética em prol da transparência na gestão e com o sentido de desenvolvimento sustentável enfatizando a questão ambiental, dentre outras. A pluralidade de entendimentos deixa entrever que o conceito de RS não está completamente consolidado e pode ser considerado em construção. Algumas definições ilustram essa observação:

Estabelecendo distinção entre a RS e a chamada responsabilidade legal, Aline Rodrigues Sacomano afirma: 

[...] reflete a expectativa social para a postura adequada da empresa; o atendimento das metas empresariais deve ocorrer dentro do cumprimento das determinações legais, nas esferas municipal, estadual e federal, incluindo as relativas à responsabilidade fiscal e ao pagamento de impostos (SACOMANO, 2010, p.55).

Francisco Paulo de Melo Neto e César Froes julgam que: 

“[...] apoiar o desenvolvimento da comunidade e preservar o meio ambiente não são suficientes para atribuir a uma empresa a condição de socialmente responsável. É necessário investir no bem estar dos seus funcionários e dependentes e num  ambiente de trabalho saudável, além de promover comunicações transparentes, dar retorno aos acionistas, assegurar sinergia com seus parceiros e garantir a satisfação dos seus clientes e/ou consumidores.” (NETO e FROES, 1999, p.78)

Para Howard Bowen, Responsabilidade Social é “a obrigação do empresário de adotar práticas, tomar decisões e acompanhar linhas de ação desejáveis segundo os objetivos e valores da sociedade”. (BOWEN, 1953, apud VIEIRA, 2007, p.3). 

A Comissão das Comunidades Européias (2001, p.7) considera que “ser socialmente responsável não se restringe ao cumprimento de todas as obrigações legais - implica ir mais além através de um “maior” investimento em capital humano, no ambiente e nas relações com outras partes interessadas e comunidades locais”. Sobre a dimensão interna afirma: 

No nível da empresa, as práticas socialmente responsáveis implicam, fundamentalmente, os trabalhadores e prendem-se com questões como o investimento no capital humano, na saúde, na segurança e na gestão da mudança, enquanto as práticas ambientalmente responsáveis se relacionam sobretudo com a gestão dos recursos naturais explorados no processo de produção. Estes aspectos possibilitam a gestão da mudança e a conciliação do desenvolvimento social com uma competitividade reforçada. (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS, 2001, p.8)

E sobre a dimensão externa: 

A responsabilidade social de uma empresa ultrapassa a esfera da própria empresa e estende-se à comunidade local, envolvendo, para além dos trabalhadores e acionistas, um vasto espectro de outras partes interessadas: parceiros comerciais e fornecedores, clientes, autoridades públicas e ONG que exercem a sua atividade junto das comunidades locais ou no domínio do ambiente. Num mundo de investimentos multinacionais e de cadeias de produção globais, a responsabilidade social das empresas terá também de estender-se para além das fronteiras da Europa. A rápida globalização fomentou a discussão sobre o papel e o desenvolvimento de uma governação à escala planetária, para a qual contribui a definição de práticas voluntárias de RSE. (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS, 2001, p.12)

O quadro 1 sintetiza uma visão análoga:

Quadro 1 – Responsabilidade Social interna e externa

Fonte: Melo Neto e Froes, 1999, p.87

 

Franscisco Paulo de Melo Neto e César Froes (1999, p.87) comentam a abrangência que o conceito de responsabilidade social assumiu na perspectiva do desenvolvimento sustentável: 

Os direitos humanos; os direitos dos funcionários; os direitos dos consumidores; desenvolvimento comunitário; a relação com fornecedores; o monitoramento e a avaliação de desempenho e os direitos dos grupos de interesse. Existe ainda, o conceito de empresa-cidadã. Este tem como objetivo atribuir uma nova imagem empresarial para aquelas empresas que se convertem em tradicionais investidoras em projetos sociais. (NETO & FROES, 1999, p.88). 

Para Leonardo Boff:

[...] A responsabilidade social é a obrigação que as  empresas assumem de buscar metas que, a médio e longo prazo, sejam boas para elas e também  para o conjunto da sociedade na qual estão inseridas. Não se trata de fazer para a sociedade o que seria filantropia, mas com a sociedade, se envolvendo nos projetos elaborados em comum  com os municípios, ONGs e outras entidades. Mas sejamos realistas: num regime neoliberal como o nosso,  sempre que os negócios não são tão rentáveis, diminui ou até desaparece a responsabilidade social. O maior inimigo da responsabilidade social é o capital especulativo. (BOFF, 2011, site)

Considerando o “acúmulo de desastres socioambientais ocorridos nos últimos tempos, com desabamentos de encostas, enchentes avassaladoras e centenas de vítimas fatais” Leonardo Boff (2011) nos lembra que:

[...] a responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o ambiental. São poucos os que perceberam a relação do social com o ambiental. Ela é intrínseca. Todas empresas e cada um de nós vivemos no chão, não nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos os solos, estamos expostos à mudanças dos climas, mergulhados na natureza com sua biodiversidade, somos habitados por bilhões de bactérias e outros microorganismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e somos parte dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é irreal. Ambos vêm  sempre juntos. (BOFF, 2011, site)

A definição do Instituto Ethos sintetiza a RS em prol do desenvolvimento sustentável: 

[...] a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2010, site) 

Congruente com esse entendimento, Aline Rodrigues Sacomano conclui que “os requisitos legais e a promoção da cidadania compõem uma estrutura que, juntamente com a ética e a sustentabilidade, formam um tripé sobre o qual está assentada a responsabilidade social” (SACOMANO, 2010, p.13).

Qualquer que seja a perspectiva da Responsabilidade Social - cumprimento da legislação, contrapartida aos trabalhadores, remuneração justa do capital, relacionamento idôneo com todas as partes interessadas, iniciativas que favoreçam a comunidade, projetos de preservação e recuperação do meio ambiente - estará sempre assentada em uma base ética, de tal modo que sua associação à ética é inevitável. 

Os diferentes padrões culturais, que influenciam as escolhas dos indivíduos na sociedade, justificam o relativismo ético, abordado por Décio Zylbersztajn (2002, p.2), sendo possível admitir, de um lado, o desejo de um ambiente empresarial cooperativo e, de outro, estratégias obscuras e oportunismos (via de regra relacionados ao interesse de maximização do lucro), que ensejam a pergunta “[...] como as sociedades, e dentro delas as organizações, podem ser induzidas a incorporar princípios éticos?” (ZYLBERSZTAJN, 2002, p.4). A discussão em torno dos incentivos para que a empresa aja de forma ética e responsável é recorrente. A competitividade a que está submetida no curto prazo e o retorno dos investimentos sociais no longo prazo, pode pesar desfavoravelmente na decisão por RS. Por outro lado, investir em RS agrega valor à imagem empresarial, podendo repercutir positivamente no volume de novos negócios, se a qualidade estiver assegurada. Embora estas considerações não sejam as únicas (entre estes dois extremos há variantes), aqui se observa que a questão econômica é preponderante (imediatismo e interesses comerciais), sobrepujando a premência social e ambiental e constituindo uma barreira cultural a ser vencida.

Ricardo Young, do Instituto Ethos, observa a importância da transparência no propósito da RS: “[...] ao buscar atender às demandas de seu público e fazendo isso de maneira ética e clara a empresa passa a funcionar como um agente de mudanças em busca do desenvolvimento sustentável e de uma sociedade mais justa” (YOUNG, 2006, p. 9). 

A respeito do comportamento ético Décio Zylbersztajn afirma:

[...] representa um valor da sociedade moderna; no entanto existe falhas no comportamento ético dos indivíduos, das organizações e das sociedades. Todos os desvios possíveis e conhecidos do comportamento humano podem estar presentes nas organizações, sejam elas empresas, sejam organizações não-governamentais, seja o próprio Estado. (ZYLBERSZTAJN, 2002,  p.17)

Como há falhas no comportamento ético dos indivíduos, das organizações e das sociedades, índices, normas e indicadores estão sendo continuamente criados e aprimorados servindo para referenciar boas práticas no mercado, orientando os empreendedores interessados em rotas seguras e protegendo os consumidores de perdas e riscos evitáveis. Assim como as normas, as certificações são padrões aceitos e validados, cuja conformidade foi aferida por um órgão certificador externo. Na área da Responsabilidade Social não é diferente e pode fazer diferença.  

3. A responsabilidade social na perspectiva do Desenvolvimento Sustentável

A globalização trouxe importantes progressos, especialmente na área da tecnologia, e aproximou os mercados, porém a lógica capitalista, focada em objetivos de crescimento e lucratividade no curto prazo, que se traduz no acúmulo de bens materiais, capital e poder, geram aumento das desigualdades sociais, má distribuição de renda (concentração de riquezas nas mãos de poucos), destruição de ecossistemas e esgotamento de recursos naturais não renováveis. A sucessão de agressões, historicamente infligidas ao planeta pelo homem, desequilibrou os ecossistemas e gerou consequências climáticas extremas, que tem deixado um rastro de destruição e penalizado, sobretudo, os mais pobres: segundo o Banco Mundial (2008) existem “1,4 bilhão de pessoas em países em desenvolvimento em condição de pobreza extrema”, situação que tende ao agravamento com a expansão demográfica mundial aguardada, de 8,5 milhares de milhão em 2030, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, RDH 2007/2008, p.56). 

Neste contexto, “[...] além do desafio de produzir de forma sustentada e distribuir de forma equitativa, a sociedade do século XXI necessita acelerar a transição para a sustentabilidade” (NUNES-VILLELA, 2010, p.26). O termo sustentabilidade indica o sentido de perpetuidade, de continuidade no tempo, que emoldura o conceito de desenvolvimento sustentável, publicado no Relatório Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland: “[...] aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991).

O modelo da sociedade insustentável, como descrito por Karl-Henrik Robèrt5, baseia-se no pensamento de a capacidade de suporte da natureza e os recursos naturais são ilimitados, uma 

falácia que explica as degradações sistemáticas do meio ambiente e as violações ao direito à satisfação plena das necessidades básicas por todos. A mudança para o padrão sustentável requer a inversão desse pensamento: aceitar que a resiliência da natureza é limitada, que seus recursos são finitos e que o desequilíbrio provocado pelo homem ameaça a sobrevivência de todas as espécies, exigindo um plano sistêmico de reparação. 

A RS abordada do ponto e vista da sustentabilidade, no contexto da crise ambiental que ameaça o planeta e todas as espécies, reconhece a vulnerabilidade das populações mais pobres, chamando atenção para as ações socioambientais preventivas e não apenas corretivas. 

Essa compreensão nos permite derivar da Responsabilidade Social para a Responsabilidade Social Ambiental (RSA). Todos os eventos em âmbito global que concorrem para o desenvolvimento sustentável são sistemicamente relacionados e requerem correspondentes ações locais.  As ações locais dependem de vontade política, políticas públicas, mobilização da sociedade e posicionamento responsável e proativo de empresas e pessoas.  Em situações de crise, como a atual, onde o risco é anunciado, as ações responsáveis de caráter preventivo são as mais adequadas. As ações corretivas são mais onerosas porque envolvem perdas humanas e grandes somas dos cofres públicos e privados, podendo “[...]custar 20% do PIB do planeta nas próximas décadas, se o ritmo de emissões dos gases causadores do efeito estufa não for contido” (Relatório Stern, 2006). 

A RSA praticada em situações de normalidade é um exercício de contrapartida cidadã, a ser incentivado para humanizar o mercado, banir práticas destituídas de ética e diminuir o fosso entre ricos e pobres. O setor empresarial é um dos mais poderosos da sociedade, possuindo imensos recursos financeiros, tecnológicos e econômicos, por esta razão exerce grande influência na política e tem acesso privilegiado aos governantes. Esse grande poder implica em uma grande responsabilidade. Ao discorrer sobre o poder de influência das organizações na sociedade industrializada, Peter Drucker observa que a sociedade se transformou em uma “sociedade das organizações”, onde os responsáveis pelas decisões exercitam o poder social (DRUCKER, 2002). Nada mais lógico do que mobilizar essa rede para a adoção de práticas éticas e humanizadas, de respeito aos direitos humanos, aos direitos trabalhistas, ao meio ambiente e contra a corrupção. 

O Pacto Global, iniciativa do ex-secretário da ONU, Kofi Annan, nasceu com o propósito de mobilizar as empresas, ao redor do mundo, para a adoção de um padrão internacionalmente aceito, baseado na Declaração dos Direitos Humanos, consolidado em dez princípios: 

Direitos Humanos
1) As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente; e
2) Assegurar-se de sua não participação em violação destes direitos.

Trabalho
3) As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva;
4) A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório;
5) A abolição efetiva do trabalho infantil; e
6) Eliminar a discriminação no emprego.

Meio Ambiente
7) As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais;
8) Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental;
9) Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis.

Contra a corrupção
10) As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina. (PACTO GLOBAL, 2011)

 

Assim, pode-se afirmar que a tônica é de que as empresas são co responsáveis para que o mundo seja melhor, servindo à sociedade e não apenas se responsabilizando pelo bem estar dos funcionários. Especialmente os stakeholders esperam que as empresas não se comprometam apenas com a qualidade dos produtos e/ou dos serviços, mas também com a qualidade de vida, que estabeleçam gestões e relações éticas de valorização das pessoas e preservação do meio ambiente. Com a importância da Responsabilidade Social Ambiental no cenário global e nacional, como estratégia para recuperar a enorme dívida social acumulada em função do modelo de crescimento centrado no capital, do imediatismo dos negócios e da cultura de privilégios, surgem novas competências que precisam ser desenvolvidas para que se conquiste o reconhecimento de empresa socialmente responsável, aquela que responde aos anseios da sociedade por ética e pratica contrapartida social e ambiental. Isso envolve:

• Desenvolvimento de programas sociais, dirigidos à comunidade na identificação participativa dos problemas e soluções, incentivando o voluntariado entre o público interno; 

• Desenvolvimento da sustentabilidade, com respaldo da Educação Ambiental (EA), conscientizando os funcionários sobre o reflexo de suas ações no Planeta e os benefícios da melhor utilização dos recursos naturais, de modo que não se esgotem, garantindo qualidade de vida às futuras gerações;

• Análise da estrutura tecnológica, dos processos operacionais, das políticas e práticas internas, à luz de princípios e indicadores sustentáveis, adotando medidas mitigadoras e de substituição, de modo a reduzir o impacto socioambiental, estabelecendo planos de mudança definidos com visão estratégica sistêmica.

As empresas que adotam a RSA experimentam ganhos tangíveis (fidelidade dos clientes, retenção de talentos e longevidade dos negócios) e intangíveis (imagem institucional e credibilidade da marca). A opção da empresa de não aderir à RSA, em um mercado que reconhece o valor dessa opção, pode ser interpretada como descompromisso com as causas sociais e ambientais e resultar em perda de mercado. No entanto, o grande prejuízo dessa opção é o retardo na transição para o modelo social sustentável, onde a participação das empresas é essencial. 

 

4. Responsabilidade Social Ambiental como nova competência de Recursos Humanos

Durante décadas, as empresas têm passado por várias transformações, assim como o cenário de Recursos Humanos (RH) tem evoluído para acompanhar as mudanças demandadas pela empresa, pelo mercado e pela conjuntura (nacional e/ou global). Diante de complexas e significativas mudanças no novo contexto dos negócios - globalização, competição, novas demandas dos stakeholders - as organizações passam a definir seus rumos, investimentos e políticas com visão estratégica. Deriva dessa dinâmica um posicionamento estratégico de RH, que transcende suas funções básicas e técnicas - recrutamento e seleção, admissão e ambientação, treinamento e desenvolvimento, administração de cargos e salários, desempenho e carreira. Ser um parceiro estratégico da empresa requer alinhamento à sua visão, missão e valores, atuando como agente da mudança no desenvolvimento da nova cultura e no cumprimento dos novos desafios originados a partir das decisões estratégicas. Assim, soluções como educação continuada, programa de qualidade de vida no trabalho, desenvolvimento de equipes auto gerenciadas de alto desempenho e programa coaching, deixam de ser eventuais e se incorporam ao portfólio de serviços prestados pelo RH estratégico.

Para João Lins, Recursos Humanos tem sido visto como um prestador de serviços passivo, mas considerando o ambiente futuro de trabalho e de negócios, poderá seguir por três caminhos:

• Com uma mentalidade proativa e orientada para a estratégia de negócios, o RH se tornará o coração da empresa: esse departamento desempenhará um papel novo e mais abrangente em termos de gestão de pessoas, incorporando e influenciando vários outros aspectos do negócio.

• O RH se tornará o direcionador da agenda de responsabilidade social corporativa. Numa posição de coletivismo e integração: as organizações cuidam. Dominando a agenda corporativa com preocupações ligadas a mudanças demográficas, o clima e a sustentabilidade passam a ser direcionadores importantes para os negócios.

• O RH será visto como transacional e quase inteiramente terceirizado. Desse modo, o mesmo assumirá uma nova forma fora da empresa (externo), e internamente será focado predominantemente em recrutamento. (LINS, 2008, p.22-23)

Tomando como referência as organizações que desenvolvem novas competências para atender aos novos desafios, RH define suas estratégias e as novas dimensões, com base nas mudanças que estão acontecendo e que podem acontecer no futuro. Considerando a grande vulnerabilidade do contexto social e ambiental, com tendência ao agravamento, e a necessária participação da empresa no processo de reversão, a segunda alternativa indicada por João Lins, a gestão da Responsabilidade Social Ambiental, se configura como a nova atribuição do RH, demandando ações locais e pensamento global.

Recursos Humanos é a área responsável por introduzir os novos empregados nos valores e hábitos (cultura), nas políticas e práticas da organização. Com a RSA ocorre o mesmo – ela subentende uma nova cultura e uma política própria, às quais as pessoas são apresentadas por meio da educação, do incentivo à participação (trabalhos voluntários) e efetivo acompanhamento. A este respeito, Denis Donaire afirma que:

O desempenho de uma organização está fortemente associado à qualidade de seus recursos humanos. Se uma empresa pretende implantar a gestão ambiental em sua estrutura organizacional, deve ter em mente que seu pessoal pode transformar-se na maior ameaça ou no maior potencial para que os resultados esperados sejam alcançados. (DONAIRE, 1999, p.102)

A partir do momento em que a Responsabilidade Social Ambiental se incorpora a Recursos Humanos, a gestão de pessoas precisa ser revista e aprimorada, desafio para o qual o gestor de RH estará mais habilitado, na medida em que ele próprio introjetar os valores de RSA. Essa percepção constitui um paradigma válido em qualquer área de conhecimento, derivado do pressuposto de que somos mais efetivos, na medida em que conhecemos, acreditamos e praticamos. A decisão estratégica pela RSA, respaldada em uma política e em valores avalizados pela Alta Administração, posiciona os dirigentes como seus legítimos promotores, compromissados em dar o exemplo.  Somente com esse compromisso, é possível gerar a credibilidade necessária ao processo de aculturamento, que perpassa todos os níveis da estrutura organizacional, por meio da educação. 

Denis Donaire comenta, também, a importância do treinamento para legitimar o investimento da empresa em RSA e na mudança de comportamentos em serviço:

Como o público pode acreditar na boa intenção da empresa em relação ao meio ambiente, se o pessoal interno não estiver convencido e motivado para contribuir de forma positiva na questão ambiental? Se os trabalhadores não estiverem engajados nesse objetivo, o resultado será medíocre. Se a força de trabalho estiver comprometida e mentalizada para a idéia da gestão ambiental, haverá uma melhora contínua nos índices de qualidade ambiental da empresa. [...] Um aspecto fundamental da área de Recursos Humanos está ligado ao treinamento para gestão ambiental, desenvolvendo habilidades para lidar com essa questão. Nesse sentido, além da necessidade de prover informações de caráter específico relativas ao conhecimento da área ambiental, das ações tomadas e de seus reflexos na preservação do meio ambiente, reveste-se de maior importância a ênfase no treinamento que possibilite mudança de atitude por parte dos gerentes e subordinados, a fim de que eles possam, em consonância, desenvolver adequado comportamento ambiental em sua atividade diária. (DONAIRE, 1999, p.102-104) 

As práticas de Responsabilidade Social Ambiental (RSA) adotadas pela organização, também podem servir de modelo para os stakeholders e inspirar mudanças para que se tornem multiplicadores em sua rede de influência. Segundo Ricardo Young:

[...] uma empresa social e ambientalmente responsável é a que considera os impactos de sua atividade sobre todos os públicos de seu relacionamento – funcionários, fornecedores, comunidade, governos, entidades da sociedade civil e também prestadores de serviço, consumidores, acionistas e investidores. (YOUNG, 2006, p.9).

O modelo estratégico de gestão de RH, aliando as pessoas ao sucesso da empresa e associando esse sucesso à participação responsável da empresa na transformação do contexto social e ambiental, gera reflexos positivos na organização e na sociedade. Assim, a visão do gestor de RH é de longo prazo, relacionada não apenas ao futuro da organização, mas ao futuro da sociedade, envolvendo estratégias planejadas com essa abrangência. 


1 Josely Nunes Villela é professora e consultora do IDEMP nas áreas de Planejamento Estratégico e Sustentabilidade. Este artigo foi sintetizado pela autora para publicação no site do IDEMP e sua íntegra foi publicada na Revista RAD, n.06 de 2011, disponível em http://www.cra-rj.org.br/site/cra_rj/publicacoes/RAD_06/rad06/index.html

Administrador, Especialista em Gestão Hospitalar e Recursos Humanos

3 Em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA); em 1975, os órgãos estaduais de controle ambiental, dentre os quais a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA); em 1981, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). 

4 Segundo o dicionário Aurélio, filantropia é um ato de amor à humanidade; humanitarismo; caridade.

5 Fundador do The Natural Step (TNS), uma organização de consultoria e pesquisa internacional, que trabalha com os usuários de recursos do planeta, gerando soluções para acelerar a sustentabilidade global. 


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* Josely Nunes Villela possui Mestrado em Sistemas de Gestão (UFF/RJ) em Meio Ambiente, especialização em Sustentabilidade no Master in Strategic Leadership towards Sustainability (Blekinge Institute of Technology, Suécia) e em Desenvolvimento de Recursos Humanos (FGV/RJ), com formação de Gerentes e Diretores (FGV/RJ), graduação e licenciatura em Psicologia (PUC/RJ). Atua como consultora em empresas públicas e privadas de diversos setores e como docente convidada em instituições de ensino superior, ministrando conteúdos relacionados a Planejamento, Sustentabilidade e Gestão de Pessoas. 

É professora e consultora do IDEMP.

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