No início das minhas atividades de treinamento e consultoria adotei a abordagem proposta pelo projeto Harvard, não só em função do livro Como Chegar ao Sim, como também por ter participado de dois workshops conduzidos respectivamente por Roger Fisher e William Ury, da Harvard Law School, autores do livro e criadores do Projeto Harvard de Negociação. E foi com base nesta abordagem que fiz uma palestra numa convenção anual da ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados. Ao final, os aplausos foram poucos e frios. Mas houve um palestrante que foi aplaudido entusiasticamente e ovacionado. Foi um cujo discurso era na linha do não tem esta história de pensar no interesse do outro. É preciso conseguir o máximo de descontos, e cada um que defenda os seus interesses. E por aí foi. Só faltou mesmo dizer que tinha que tirar o sangue dos vendedores.

A partir daí me propus entender melhor a questão e estudar as várias abordagens. Só assim poderia tirar minhas próprias conclusões. Resolvi seguir a orientação de Isaac Newton, o genial físico inglês, que quando perguntado sobre o porquê havia percebido o que outros não tinham enxergado, respondeu: “Eu vi mais longe porque subi em ombros de gigantes”. Assim, estudei não só quem era favor, mas também aqueles que tinham muitas restrições, inclusive tachando o Projeto Harvard de ser ingênuo.  A conclusão mais importante a que cheguei foi a de que existem basicamente três formas de se conduzir uma negociação que são: Solução de Problemas, Barganha de Propostas Suave e Barganha de Propostas Agressiva. E que não existe a melhor forma de se negociar, mas sim aquela que é mais adequada a cada contexto e situação. Em outras palavras, cada caso é caso. Assim, é fundamental identificar e avaliar o contexto e situação em que cada abordagem é a mais adequada. Um erro nesta avaliação pode levar uma negociação para o mais completo fracasso.

Os Prós do Projeto Harvard

O ponto mais importante é que o Projeto Harvard de Negociação representou um marco extremamente relevante no desenvolvimento das teorias e práticas de negociação, que foi a utilização da Solução de Problemas como uma forma de se negociar. Até então, isto jamais havia sido feito. E para negociar na base da Solução de Problemas, existem três passos fundamentais que são: Primeiro, compreender a situação e o outro lado. Depois se fazer compreender. Finalmente, encontrar uma solução que atenda aos interesses das partes. E para que este processo todo ocorra com sucesso são necessárias uma ótima comunicação, que importa na capacidade de dialogar, bem como o conhecimento das técnicas de solução de problemas e processo decisório. O fato é que através da Solução de Problemas foi possível, por exemplo, o acordo de Camp David entre o Egito e Israel, acordo que teria sido inalcançável com a utilização das formas tradicionais de negociação.

Os contra ao Projeto Harvard 

De acordo com o Projeto Harvard, existem três formas de se conduzir uma negociação, que são a do negociador durão e de confronto, que negocia com base na Barganha de Propostas Agressiva, a do negociador bonzinho, que tende a conceder continuamente, e a do negociador que age com base na Solução de Problemas.
Uma crítica consistente ao Projeto Harvard é que não foi considerada uma outra forma de se conduzir uma negociação, que é a da Barganha Suave, que pode ser utilizada com sucesso numa grande quantidade de casos, como por exemplo, por corretores de imóveis e por quem compra e vende automóveis. O que deve ser ressaltado é que o objetivo de qualquer barganha, seja ela agressiva ou suave, é o mesmo: obter o máximo de concessões e, se possível, chegar ao limite do outro negociador. O que diferencia as duas é que na Barganha de Propostas Agressiva não existe a menor preocupação com o relacionamento entre as partes.

Assim sendo, tende a provocar ressentimento, raiva e o desejo de vingança, que pode se materializar se a oportunidade aparecer.

Já na Barganha Suave, além do objetivo de se obter o máximo possível de concessões, também é considerado muito importante manter um ótimo relacionamento com a outra parte. E, ainda mais, dar ao outro negociador a sensação de que levou vantagem e venceu. É em função disso que existe o verdadeiro e o falso Ganha/Ganha.

Outra crítica consistente ao Projeto Harvard é que, embora não reste a menor dúvida de que em algumas situações a Solução de Problemas seja um caminho extremante importante, não são identificadas todas as dificuldades existentes no processo de tomada de decisão e, consequentemente, na solução de problemas. Assim, um estudo conduzido por Paul Nutt, professor da Universidade de Ohio, abrangendo um período de 19 anos com executivos e gerentes de 365 empresas, mostrou que mais de 50% das decisões, de uma forma ou de outra, fracassaram.

Reforçando este estudo há a constatação da demissão ou da aposentadoria forçada de um número razoável de CEOs. Só em 2000, por exemplo, foram cerca de 40 em empresas da lista da Fortune 500, tais como Compaq, Gillette, Hewlett-Packard, Xerox e Motorola.

O fato é que embora a Solução de Problemas seja uma forma extremante poderosa e útil de se conduzir uma negociação, também é a mais difícil e, além do mais, não é a melhor e mais adequada para todos os contextos e situações como o Projeto Harvard quer fazer crer.
 
A Negociação Total 

Em função disto, desenvolvi a abordagem que chamo de Negociação Total, que tem como princípio que o sucesso depende das decisões, escolhas e ações do negociador, e que uma decisão é tão boa quanto a melhor alternativa que se conseguiu encontrar. Assim sendo, vejamos três pontos importantes da abordagem

Adotada na negociação total:

1. Existem três formas principais de se conduzir uma negociação: Solução de Problemas, Barganha de Propostas Agressiva e Barganha Suave. Também deve ser ressaltado que os procedimentos do negociador bonzinho ou os do acomodado, que não se empenha muito para chegar ao limite do outro, são maneiras inferiores de se conduzir uma negociação, mas que mesmo assim, podem ser utilizadas como no caso de negociações de menor importância ou quando um valor médio, ou até mesmo o limite, puder ser adotado, em função de uma relação benefício/custo aceitável. Ou ainda, quando a situação exigir uma resposta urgente, em decorrência dos danos provocados pela demora. 

2. Nenhuma das formas de negociação se aplica a todos os contextos e situações. Assim sendo, não existe “a melhor forma” de se conduzir uma negociação e o Projeto Harvard se equivoca quando quer estender a Solução de Problemas a todas as Situações e contextos.

3. Qualquer uma das formas de negociação pode ser extremamente adequada se utilizada no contexto apropriado. Entretanto, pode ser danosa caso seja utilizada em contextos inadequados. A Barganha de Propostas Agressiva, por exemplo, é utilizada, e com muito êxito, pelos compradores de supermercado ou por vendedores que estão numa situação muito favorável de poder, como foi o caso da Enron, nas negociações para a construção do gasoduto Brasil - Bolívia. Entretanto, se utilizada nas negociações internas de uma empresa que seja constituída basicamente pelo chamado “trabalhador do conhecimento”, trará como resultados um clima organizacional da pior qualidade, conflitos destrutivos e um Perde/Perde generalizado. Ou seja, jamais será possível se obter a tão desejada sinergia organizacional, que só pode ser alcançada caso as negociações internas sejam conduzidas com base na Solução de Problemas.

Outra situação em que a barganha de propostas agressiva pode falhar é a revelada pela seguinte história: Um comprador agressivo e sua mulher estavam procurando por um apartamento. Encontraram um excelente e começaram as negociações. O comprador obteve alguns pequenos descontos, quando o vendedor disse: este é o meu preço final. Não tem mais jogo. Mas o comprador queria muito mais e, como o vendedor permanecesse irredutível, usou a tática da retirada, mas antes ofereceu seu cartão com a recomendação de que fosse procura-lo quando mudasse de ideia. Após sair, comentou com sua mulher: amanhã ele vai me procurar. E no dia seguinte e no outro e no outro, nada do vendedor procurar. Já muito preocupado telefonou para o vendedor que lhe informou que já havia vendido o apartamento e, ainda por cima, comentou: “você está precisando aprender a negociar”.

Mais uma vez vale enfatizar que o procedimento que pode dar certo num contexto, pode ser completamente equivocado em outro. Assim sendo, flexibilidade, lucidez e discernimento são fundamentais.
 

A Conclusão 

 Negociação Total considera que todo negociador que queira ter uma compreensão e um desempenho superior, aos níveis estratégico, tático e operacional, deve ter uma visão global e abrangente de possibilidades e levar em conta todas as formas de se conduzir uma negociação. Mas que é o momento, o contexto e a situação que vão definir a melhor forma a ser utilizada. Portanto, só com competência, inteligência, sabedoria e responsabilidade por suas decisões, escolhas e ações é que um negociador pode chegar a excelência de resultados.


* José Augusto Wanderley é Mestre em Engenharia Industrial, PUC-RJ. Já conduziu mais de 1000 cursos e seminários para empresas e instituições como: Aracruz, Banco Itaú, Bayer, Coca Cola, Embratel, Fundação Getúlio Vargas (Escola Interamericana de Administração Pública e Escola de Pós-Graduação em Economia), Faculdade Cândido Mendes (CPGE - Centro de Pós-Graduação e Extensão), Henkel, Módulo, Nestlé, Petrobras, Shell, Tess, Usiminas, Universidades Algar e Ambev e White Martins.

É autor do livro: “Negociação Total - Encontrando Soluções, Vencendo Resistências, Obtendo    Resultados” - (Editora Gente, 17a edição).

Tem artigos publicados no jornal O Globo, Jornal do Brasil, Estado de São Paulo e revistas  Tendências do Trabalho, Informativo ADN/COAD, T&D - Treinamento & Desenvolvimento e Profissional & Negócios.

Professor do IDEMP – Instituto de Desenvolvimento Empresarial.           

 

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